quinta-feira, 11 de março de 2010

Paula Toller despe seu mundo em ebulição em novo CD.





Paula Toller se desnuda como nunca com seu segundo álbum solo "SÓNÓS", parte de um processo de transformação que ela anuncia através de várias pistas nas letras, na concepção e no discurso que acompanha o lançamento, voltada para se redefinir diante do mundo no momento em que sua banda, o Kid Abelha, completa 25 anos e seu filho, Gabriel, aos 16, bate as asas do ninho materno para vôos solo pelo mundo.
Nesse sentido, as letras falam em ir para as ruas, enfrentar perigos, se despir de conceitos do século 20, romper barreiras. Uma idéia que foi acompanhando a feitura do disco e se fechou de maneira perfeita na música inédita enviada por Erasmo Carlos, "O que é que eu sou?" ("Eu vim por que?/ Pra onde eu vou?/ Onde é que eu tava?/ Onde é aqui?/Quem me mandou?/Qual é o nome da minha alma"). Paula:
- Fiquei abalada com isso, um cara que tem a carreira que ele tem fazer essas perguntas tão fundamentais! Todo artista lida com a angústia, esse vazio que a gente tem. Todo ser humano lida com isso, ou deveria, para preencher o vazio, as horas, o tédio. A angústia é necessária, é um questionamento.
E ela resolveu levar esse questionamento para a área internacional, buscando parceiros lá fora via internet. Um amigo, o Beni, ex-baterista do Kid Abelha nos primórdios da banda, lhe deu um disco de Kevin Johansen, nascido no Alasca e criado na Argentina, casado com uma brasileira, que lhe mandou ''Anoche soñe contigo", vertida por Paula para "À noite sonhei contigo", e dividiu os vocais com ela na comovente e imperdível balada a vozes e piano "Glass".
Tenho afinidades com um cara do Alasca como se ele morasse aqui na Gávea, muito louco isso

O produtor Paul Ralphes a conectou com Jesse Harris, autor de "Don't know why'', o hit maior de Norah Jones, que lhe mandou "If you won't" e "Long way from home". Ela já conhecia Donavon Frankenreiter, homem das ondas californianas e músico ao estilo soft de Jack Johnson e participante do "Pega vida" do Kid Abelha, que dividiu com ela vocal e composição de "All over" Uma grande paixão, o canadense Rufus Wainwright, teve sua "Vicious world" vertida como "Tudo se perdeu", aprovou a letra em português e deu parceria para Paula, algo raro nesses casos.
Paula acha que a busca por parceiros alienígenas e o canto em inglês passam pela superação das fronteiras alcançada pela globalização via internet, na quebra de conceitos que ela expressou na letra de "Rústica": "Países não me explicam/ Parentes não me abrigam/ Poetas me perfuram/ E palavras me penetram".
- Hoje em dia, essas bipolaridades esquerda-direita, brasileiro-estrangeiro, homem-mulher, ocidente-oriente, Rússia-Estados Unidos são muito século 20, já foi. A gente é do século 20, mas agora é outro tempo. Eu quis falar disso porque as fronteiras hoje são outras, não são aquelas desenhadinhas no mapa. Eu tenho afinidades com um cara do Alasca como se ele morasse aqui na Gávea, muito louco isso.
Ela também trocou parcerias com a banda: "Um primeiro beijo" e "Barcelona 16", sobre os vôos do filho, são divididas com Paul Ralphes, que tocou baixo, e o tecladista Caio Fonseca; "Eu quero ir para a rua" e "Você me ganhou de presente" com o guitarrista Coringa. Com o velho amigo Dado Villa Lobos ela fez "Rústica", e com Dado e Fausto Fawcett, "Pane de Maravilha" ( ouça a música ).
- "Pane" é uma conversa com o Rio de Janeiro em primeira pessoa, estava faltando ouvir a cidade. Dei uma de maluca, de esquizofrênica e fiz este depoimento bastante incômodo e muito profundo. A cidade vai ficando tão frágil que vai se humanizando e o Fausto já gosta né. Eu levei para ele porque eu não queria uma música reclamenta e estava ficando isso, não quero ficar me lamuriando - explica.
Assim, numa balada midtempo, o Rio de Janeiro fala na voz de Paula: "Esqueço a praia/ Esqueço o berço do samba e das lindas canções/ Esqueço o tal do calor humano/ Esqueço o tal do carnaval/ Descarnavalesco total".
Este sentimento de despir-se de conceitos está no cerne do momento de Paula quando ela diz que "não me prender a dogmas e confortos foi meu princípio de todo o processo" e ainda que o verso "somos o todo feito do nada", de Erasmo, define o disco. E a disposição de só ver graça em ''escrever tocando nos pontos que doem, incomodam, estimulam e irradiam". Tudo isso mostra que a beleza serena de Paula esconde um mundo em ebulição.  frutifique.